“A sociedade deve repensar a emancipação do bairro”, afirma padre Tony.

sergiospires
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Padre Tony, um dos responsáveis pelo desenvolvimento da Cidade Ademar

Um dos responsáveis pelo desenvolvimento do bairro Cidade Ademar, lá nos anos 70, o padre Antony John Conry, ou simplesmente Padre Tony, como é conhecido pela comunidade, falou com exclusividade à reportagem do jornal O Bairro Cidade Ademar. Ele relembra como foram as lutas para a formação das comunidades por meio das paróquias que estavam à frente para o desenvolvimento das vias públicas, escolas, entre outras melhorias para o desenvolvimento do bairro. O padre relata ainda que a qualidade de vida na região acabou piorando devido ao descaso das autoridades com a região e pela falta de investimento em lazer, educação e saúde.

Padre Tony:  "Se não fazem
nada por nós, façamos
nós mesmos."
Hoje com uma das regiões mais populosas de São Paulo, a Cidade Ademar possui umas das infraestruturas, mais precárias de São Paulo e após tantas lutas e por ter passados por tantos governos desde os anos 70, o padre só acredita em uma solução para que a região possa ter mais escolas, creche, hospitais, Centros Esportivos e Culturais: “A solução é a emancipação da Cidade Ademar”, revela. De acordo com o pároco, a região é alvo apenas de votos para os políticos.

Padre Tony começou o trabalho pastoral em Taboão da Serra em 1970, (hoje São João Batista), Depois de sete anos, veio para o bairro em 1977. “Foi por meio da ordem dos Padres Missionários de São Patrício e fui designado a trabalhar em áreas onde não tinha igreja, principalmente do lado direito da Avenida Cupecê no sentido de Diadema”. Foram seis paróquias: São Francisco de Assis, Santa Cruz, Cristo Ressuscitado, Santa Luzia, Santo Afonso e São Judas Tadeu.

O padre veio atuar na região, pois naquela época as periferias de São Paulo tinham poucas igrejas ou quase nenhuma. Nos anos 70 a Cidade Ademar começava a receber um número enorme de migrantes do norte e nordeste do Brasil que iam se instalando nas periferias e a Cidade Ademar foi uma destas regiões. “Somos missionários e pioneiros, e tive que começar o trabalho em 1977. Não havia igrejas deste lado da Cupecê”, relembrou.

“Comecei com seis igrejas ao mesmo tempo e o nosso plano era entre a Avenida Cupecê e a Avenida Yervant Kisarjikian, da Casa Palma até o Jardim Miriam. Tínhamos que lutar para o desenvolvimento desta região. Começamos com este conjunto de igrejas chamado ‘Operação Preferia’, que era um projeto do Cardeal Don Evaristo Arns, nomeado para o cargo em 1960 e toda a sua equipe pastoral visava uma nova cidade de São Paulo que se expandia para as periferias a partir dos anos 60 e nestes locais não havia igrejas”, explicou.

De acordo com o padre, este projeto de implantação de igrejas teve como peça central a venda do Palácio dos Bispos, que ficava na Avenida Paulista. Segundo o padre Tony, na época, nos anos 70, este palácio foi vendido por cinco milhões de dólares e junto com esta verba, criou-se um fundo para a compra de terrenos em todas as periferias do município de São Paulo para a construção de igrejas e centros comunitários.

O padre revela que foram comprados com este dinheiro 1,2 mil terrenos em toda São Paulo. Somente na zona sul, na região de Santo Amaro, foram adquiridos 287 terrenos e os terrenos das paróquias da Cidade Ademar, foi comprado com este dinheiro e ainda com a ajuda de outras paróquias e de algumas igrejas já estabelecidas no Centro de São Paulo. Algumas igrejas ajudaram na aquisição das paróquias da Cidade Ademar, como a Igreja de São Judas Tadeu, Imaculada Conceição e a de Santa Cruz dos Enforcados, na Liberdade. “Elas ajudaram na compra dos terrenos da Cidade Ademar entre 1977 a 1980”, informou.

Com a compra destes terrenos a construção ficou por nossa conta e com um caixa em comum que era construído em forma de rodízio. Demorou cerca de 30 anos para que todas as paróquias terminassem suas obras, mas até hoje, elas estão se adequando a demanda de cada comunidade. E todas foram construídas simultaneamente ao mesmo tempo, nunca ficamos parados.

Junto com a construção das igrejas houve a luta das comunidades para a construção de escolas, creches, asfaltos para as vias públicas, água encanada. “Chegamos a criar a pré-escola e o Mobral  (alfabetização de adultos) na Avenida Santo Afonso, criamos o clube das mães, entre várias necessidades para o bairro”. “Lutamos ainda por asfaltos, energia elétrica, inclusive fizemos uma campanha para construção de um escadão para ter acesso a Santo Afonso”, relembrou.

Decepção - Depois destes anos de luta para melhorias do bairro, padre Tony se decepciona com a política, pois vários políticos já o procuraram e fizeram muitas promessas e nada aconteceu de concreto. Lamenta ainda a falta de novos lideres de bairro. “Em nosso bairro, nunca houve uma preocupação por parte das autoridades em investir em educação, esportes e habitação. O bairro foi loteado aleatoriamente nos anos 60 e 70 e não houve uma terraplanagem. Foram loteamentos rápidos, sem nenhum planejamento e sem nenhuma infraestrutura. Todos os problemas de hoje, estão ligados diretamente àquela época, ou seja, o bairro começou errado”, afirma.

Mudanças político-religiosas - O pároco informa que nos últimos 40 anos houve uma mudança político-social e religiosa em nossa região, e foram mudanças profundas. A qualidade de vida dos moradores da Cidade Ademar despencou. O desemprego desestruturou e impediu a melhoria e o crescimento do bairro.

A partir do governo Sarney há 25 anos, houve um colapso econômico e duas coisas aconteceram: fim do Polo Industrial de Santo Amaro e o fim do Polo Industrial do ABC. Isto afetou diretamente a vida das pessoas que moravam na região, pois grande parte dos nossos moradores nos anos 80 era operária e isto jogou o bairro no desemprego e a qualidade despencou e nunca mais se recuperou.

Lideranças acéfalas - Com as mudanças, o papel da igreja também mudou. “Hoje elas têm pouco impacto na vida social. O Hospital Pedreira foi uma luta que a igreja católica junto com a comunidade conquistou, mas nos últimos anos a igreja católica perdeu este compromisso com o social com raras exceções. Hoje as lideranças locais são acéfalas, sem características de líderes, pois eles só pensam no bem comum, individualistas e com pouco interesse pelo social, mas sim político, Estes lideres fazem parte da cultura do selfie”, relatou.

De acordo com Padre Tony, os governos pararam de investir na Educação e a política de alfabetização de adultos mudou. “Agora a região serve apenas como curral eleitoral. Já lutamos por hospital, escolas, universidades, Centros Comunitários de Lazer. Não há nada para os jovens se divertirem na Cidade Ademar.”

“Está na hora de um grande debate entre os lideres locais, pois se eles não fazem, fazemos nós mesmos, pois isto é necessário. É preciso mobilizar um debate para a emancipação da Cidade Ademar”, orienta.

“O ideal é que São Paulo ficasse na área de rodízio. A própria prefeitura já delimitou a área dela. Se Diadema continuasse como bairro, de São Bernardo do campo, teria o mesmo desenvolvimento que tem hoje?”, questiona.

De acordo com Padre, a cidade de São Paulo é ingovernável neste atual modelo de gestão. “Não importa o prefeito. Não há como governar neste modelo. É impossível no curto ou em longo prazo organizar uma cidade deste tamanho. A cidade tem que ser desmembrada”, diz.

Para o padre as Prefeituras Regionais de nada valem, pois não possuem autonomia, a não ser pela zeladoria e conta ainda com altas despesas. “Para o melhor desenvolvimento local é necessário um amplo debate político, mas para o bem comum de todos”.

As periferias de São Paulo já possuem suas próprias culturas. “Pirituba é igual à Cidade Ademar? Claro que não, deveriam ser independentes. O atual modelo de gestão não está funcionando nas periferias de São Paulo e nem vai funcionar, mesmo com a boa vontade e competência de qualquer governante, pois São Paulo é muito grande”, comentou.

De acordo com o padre, nunca se discutiu os problemas das periferias na vida da sociedade, de uma forma real. “Quando se fala em São Paulo na mídia, mostra-se o bairro dos Jardins, Avenida Paulista, Centro, Mooca, mas nós não fazemos parte, nos sentimos cada vez mais abandonados. Quer um exemplo: Em 2016 foi feito um recapeamento na Avenida Cupecê, mas foi até a Casa Palma. Há uma ausência de governo em todos os níveis. Estamos ao ‘deus dará’”, lamentou. É preciso unir todas as nossas lideranças para este debate, pois nada acontece e nem vai acontecer”, finalizou.

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