Entrevista com o professor Jefferson Peixoto, Dr. em Educação e morador do bairro.
Especial Educação na
periferia
Nesta edição especial do jornal O Bairro, entrevistamos o
morador do bairro que é especialista na área da Educação. Trata-se do Professor
Jefferson Peixoto da Silva, ex-aluno da Escola Municipal Dr. Habib Carlos
Kyrillos e morador da região. Jefferson é graduado em História pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP (2003) e em
Pedagogia pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE (2010), é também Mestre em
Educação pela Universidade Cidade de São Paulo - UNICID (2008) e Doutor em
Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo -
USP (ingresso em 2014).
Professor Jefferson Peixoto |
O Bairro - Há um mito que muitos divulgam que o ensino nas
escolas públicas era melhor entre as décadas de 70 a 90. Muitos que cursaram as
escolas públicas nestas décadas nas escolas públicas da periferia afirmam que a
educação era melhor em relação a de hoje. Isto é verdade? Por que?
Jefferson: A escola dos anos 70 a 90 funcionava com base em
uma lógica muito distinta da de hoje. Naquele tempo, tanto a escola como a própria
sociedade funcionavam a partir de uma lógica que era autoritária e
simplificadora. Em função disso quem não aprendia era reprovado, quem não
atendia a algumas regras mínimas como usar o uniforme, por exemplo, era
proibido de entrar na escola e mais do que isso, quem não usava esse uniforme
porque não tinha condições de comprá-lo ficava fora da escola, assim como o
aluno que não aprendia porque tinha alguma dificuldade cognitiva, era tratado
não como alguém que precisava de atenção especial, mas como alguém pouco
esforçado e, assim, por repetir vários anos seguidos, mesmo indo todos os dias
a escola, esse aluno com dificuldades acabava desistindo e não havia nenhum
mecanismo para ir buscar esse aluno, que era tido simplesmente como evadido. A
lógica era simples: quem não aprende do modo como a escola ensinava estava
fora! Quem não tinha como seguir as regras estabelecidas também.
Do ponto de vista pedagógico, há ainda que se destacar que
em muitas escolas daquela época, aprender era sinônimo de decorar e não de
pensar, interpretar e/ou exercitar o senso crítico, até mesmo porque o método
de ensino por excelência defendido pelos militares (que administraram o país
entre 64-84) era o método mnemônico e, para eles, o papel da escola era
preparar para o trabalho (em termos de tecnicismo) e pronto. Como, para eles,
se preparar para o mundo do trabalho significava aprender a ter as condutas de
obediência e submissão, o peso da obediência às regras e da formação de
condutas era mais valorizado do que a aprendizagem cognitiva em si. O apreço
deles pelo método mnemônico era um exemplo disso, pois em termos práticos
significava o esforço rigoroso para fixado algo na mente. Quem decorava,
portanto, demonstrava disciplina.
Em uma sociedade marcada pelo autoritarismo tanto quanto o
pensamento militar defendia, não é de se espantar que tal método vigorou
durante muito tempo mesmo para além das bases de pensamento militares. Basta
então olharmos para este cenário e para as estatísticas educacionais daquela
época (os índices de repetência, de evasão e de alunos fora da escola eram
alarmantes, até porque não havia escolas para todos) para constatarmos que
aquela escola não era melhor do que a escola de hoje, muito pelo contrário. A
escola daquela época excluía aqueles que não tinham condições de se manterem
nela e reprovava aqueles que não aprendiam, ou melhor, que não decoravam suas
lições. Ela reprovava e reprovava muito. Neste sentido, não acho que possamos
dizer que uma escola que deixava de atender mais da metade da sua população
possa ser chamada de boa. Seguindo dados do próprio Ministério da Educação, em
1990, apenas 19% da população possuía o então primeiro grau completo, 13% o
nível médio e 8% o ensino superior.
Também não acho que seja boa uma escola que mantinha altas
taxas de reprovação. Em minha opinião, escola boa é aquela que faz o aluno
aprender, não aquela que além de não garantir a aprendizagem de grande parte
dos seus alunos, depois ainda os expulsa. Assim era essa escola: seletiva e
excludente. Por funcionar como uma espécie de peneira e ficar apenas com os
alunos considerados “melhores”, essa escola acabava tendo uma aparência de
qualidade, mas era uma qualidade ilusória, pois era muito fácil parecer ser boa
trabalhando apenas com uma parte da população, e justamente a parte que atendia
plenamente seu modo de funcionamento.
Internamente ela realmente funcionava bem, pois ela tinha
instrumentos para levar os alunos a fazerem aquilo que ela queria que os alunos
fizessem, algo que de certo modo falta à escola de hoje, cuja estrutura e
professores estão totalmente desempoderados. Mas não significa que ela era uma
boa escola por conta disso, pois ela funcionava bem apenas para os alunos que
aprendiam o que ela queria ensinar. Ao mesmo tempo, porém, ela era muito severa
com aqueles que não conseguiam fazê-lo e, neste sentido, falhava em sua missão
educativa, uma vez que essa missão tem que considerar o todo da população e não
apenas alguns poucos com melhor desempenho.
Ao mesmo tempo, sua missão é ensinar, mas aquela escola
encobria seus próprios fracassos reprovando e excluindo todos aqueles que ela
própria não conseguia ensinar. É como se ela dissesse que o aluno tinha que se
adequar a ela para se manter quando na verdade era ela que precisava se adequar
ao aluno para fazê-lo aprender, mas ignorava esse papel. Falava-se muito em
fracasso escolar, portanto, e o que é o fracasso escolar? É basicamente algo
que continuamos a ver se repetir hoje que é o fato de o aluno ir a escola todos
os dias, mas não conseguir aprender. A única diferença é que hoje há mecanismos
para manter o aluno na escola e isso fica mais evidente, enquanto que naquela
época o aluno era simplesmente expulso ou desistia por conta própria e isso
ficava meio que encoberto.
Com relação à questão da periferia há algo de muito
sintomático nessa questão do fracasso escolar, algo que precisa ser muito bem
compreendido. Trata-se da linguagem da escola. A escola está estruturada com
base em uma linguagem que está muito distante da linguagem da periferia (a
linguagem elitista) e isso explica porque as taxas de reprovação e fracasso
escolar tendem a ser maiores entre essa população. Isso porque, para os alunos
de classes sociais elevadas, é muito fácil entender a linguagem da escola, pois
é a linguagem do cotidiano deles. Para o caso dos alunos da periferia, no
entanto, antes de aprender os ditos conteúdos e saberes escolares, eles
precisam aprender a linguagem por meio da qual esses conteúdos e saberes são
ensinados, o que não é natural para eles, leva tempo e nem sempre é alcançado.
Isso explica em grande medida o tipo de fracasso escolar que
impera hoje que vem sendo chamado de analfabetismo funcional. Em outras
palavras, a escola dos anos 70-90 não era melhor do que a de hoje porque a de
hoje está mais preocupada com a diversidade que constitui nossa sociedade e
está orientada de modo a não ser mais excludente, mas ainda assim, ela ainda
não encontrou o caminho para cumprir adequadamente seu papel. Não é, portanto
que ela seja pior do que a escola dos anos 70-90, ela apenas não oculta mais
seus fracassos como aquela escola fazia. Como a escola de hoje precisa lidar
com todos que a procuram e que precisam dela, suas dificuldades de
funcionamento ficam bem mais evidentes, não dá para escondê-las, o que de certa
forma é positivo, pois mostra exatamente que algo não está bem e precisa ser
mudado. No caso anterior, todavia, a realidade era ocultada e ficava por isso
mesmo.
Junto com essa ideia bastante questionável de que a escola
dos anos 70-90 era melhor do que a de hoje, costuma-se falar também que a
docência já foi uma profissão muito valorizada e que hoje os professores
estariam perdendo o grande prestígio que um dia já tiveram. Nesse sentido, é
importante notar que essa também é uma perspectiva muito relativa e que precisa
ser muito bem compreendida. De modo resumido, em um passado mais distante, o
acesso ao conhecimento era algo muito difícil, assim como aos próprios cursos
superiores que podiam levar a esse conhecimento sistematizado.
Sendo assim, o acesso ao conhecimento estava muito ligado à
questão da classe social, diferente de hoje que a revolução tecnológica em
curso, como por exemplo, a internet permite o acesso ao conhecimento de modo
abundante por meio de computadores, smartphones e outros dispositivos. Em
outras épocas, a formação universitária era algo que só as classes mais
abastadas conseguiam ter e, dentro desse contexto, o professor era tão
valorizado quanto ainda é hoje um engenheiro, um médico, etc., uma vez que o
acesso a esses cursos ainda costuma ser muito difícil (muitíssimo concorrido no
caso das universidades públicas, por exemplo e muito caro para se manter, mesmo
em universidades públicas), de modo que isso gera uma demanda por esses
profissionais em nosso país muito maior do que o número de profissionais
formados na área.
De certa forma isso também acontece com os professores (há
falta deles), mas o processo de massificação que houve no ensino a partir dos
anos 90 acabou levando também a uma massificação na formação dos professores. O
prestígio dos professores naquele contexto de épocas passadas tinha a ver com
uma questão de classe social, portanto, pois apenas os membros das classes
sociais mais abastadas conseguiam acesso à formação sistematizada e ao conhecimento
necessário para exercer a docência.
Como diz o ditado “em terra de cego quem tem olho é rei”.
Assim, aqueles que tinham conhecimento e formação superior eram muito
admirados, porque poucos tinham acesso àquilo, mas não podemos nos esquecer que
a educação básica no Brasil nunca foi valorizada como precisa ser, nunca houve
um programa nacional de valorização do professor e da educação que quisesse, de
fato, levar educação de qualidade para todo o país e, diante disso, conviveu-se
durante muito tempo também com os ditos professores leigos, pessoas que
precisavam apenas provar que sabiam ler, escrever e realizar as quatro
operações básicas da matemática para serem professores.
Os primeiros professores do Brasil foram os jesuítas e eles
foram os únicos professores que tivemos por mais de 200 anos. Quando o Marquês
de Pombal proibiu o ensino jesuítico e instituiu as aulas régias, os
professores passaram a ser leigos, mas eram muito poucos e diversas vezes nem
sequer recebiam o salário, uma mazela que de certo modo anunciou o modo como os
professores seriam tratados por aqui. Tais professores eram poucos, trabalhavam
em más condições (instabilidade, por exemplo), não era necessário que tivessem
formação de ponta para lecionar e os salários além de não serem tão altos
geralmente falhavam. Ainda hoje
convivemos com professores que possuem apenas o ensino médio e ainda assim
lecionam em determinadas regiões do país. Mesmo que a legislação diga que a
formação para o magistério deve se dar em nível superior, a carência em algumas
regiões é tamanha que a própria legislação educacional deixa brechas para isso,
sob o pretexto de reconhecer as “especificidades locais”. Em termos de
salários, uma armadilha muito séria nas compensações dos professores, sobretudo
da carreira pública, é o pagamento por hora-aula e por jornadas baseadas nessas
horas-aula.
Hoje, mesmo com a instituição do piso nacional tal situação
de armadilha não foi superada, pois enquanto o salário mínimo aumenta todo ano
até como forma de acompanhar o aumento progressivo do custo de vida, os
salários dos professores não são regulados de acordo com o salário mínimo, com
a inflação ou algum outro tipo de indicador. O aumento se dá apenas como
questão discricionária dos diversos governos aos quais o professorado está
vinculado e isso costuma vir apenas depois de muita negociação, envolvendo
sindicatos e demais órgãos de representação. Diante disso, passam-se anos sem
que os professores recebam reajustes enquanto os preços de tudo a sua volta
aumentam. Isso traz uma grande defasagem ao salário. Houve até uma época em que
os salários dos professores eram bons, mas foi um curto período e com a
massificação da educação tal salário só vem despencando e quando têm reajustes
eles não cobrem as perdas.
Outro ponto importante nessa questão é que o dito prestígio
dos professores muitas vezes era confundindo com o poder, o poder de reprovar.
Naquela escola excludente de que falamos, o respeito ao professore não era
necessariamente advindo da admiração pelo seu conhecimento, mas sim do medo, o
medo da reprovação. O professor tinha em suas mãos o poder de reprovar e diante
de uma escola e uma sociedade que eram autoritárias, os professores eram muito
mais temidos do que reverenciados, era mais uma questão de autoritarismo do que
de autoridade.
O Bairro - As novas políticas de educação melhoraram ou
pioraram as escolas?
Jefferson - As políticas educacionais adotadas a partir dos
anos 90 foram muito positivas com relação a sua motivação. O objetivo era
prioritariamente colocar na escola aqueles que estavam fora dela, isto é,
garantir-lhes o acesso e, ao mesmo tempo, reduzir os altos índices de
reprovação e evasão escolar que existiam. Tais políticas ficaram conhecidas,
sobretudo, como políticas de universalização do ensino e correção de fluxo,
pois um outro problema muito sério era a distorção idade/série entre os alunos,
consequência direta da reprovação. Em certo sentido, a política de correção de
fluxo foi adotada justamente para viabilizar a política de universalização, em
termos de acesso e permanência.
Sem entrar aqui nos detalhes dos elementos contextuais que
levaram o Brasil a adotar essas políticas, não há como negar que seu objetivo
foi muito positivo. Apesar de estarem fundamentadas em intenções legítimas, no
entanto, essas políticas foram um fracasso em termos de aplicabilidade. Elas
trouxeram um verdadeiro caos para a educação porque foram implementadas sem um
mecanismo de acompanhamento e readequação, ou seja, não se fez experiências
piloto para verificar se dariam certo ou mesmo não houve reflexão e reação
diante de seus fracassos. Por um lado essas políticas fizeram apenas escancarar
a fragilidade das nossas escolas e dos seus métodos de ensino, sua incapacidade
de lidar com seu aluno, especialmente os das periferias. Escancarou também a
distancia entre a linguagem desses alunos e a linguagem da escola, uma
distorção que não é educacional, é socioeconômica. Por outro lado, ela trouxe
consequências negativas sim, pois fizeram uma escola que já era questionável se
tornar ainda pior.
Isso porque ela tirou dos profissionais que atuam na escola
– principalmente dos professores – toda a sua autoridade, isto é, eles ficaram
esvaziados dos mecanismos que tinham para conseguir fazer as coisas
funcionarem. Peguemos, por exemplo, o caso da progressão continuada, uma medida
que foi adota a fim de atender a política de correção de fluxo. Por mais
equivocado que isso seja, a reprovação era um dos principais instrumentos que
os professores utilizavam a fim de garantirem o respeito a sua autoridade. Com
a progressão continuada, os professores foram simplesmente destituídos desse
mecanismo e passaram a sofrer hostilizações constantes dos alunos. Não é a toa
que os casos de adoecimento mental são a principal causa de afastamento do
trabalho entre os professores e dobraram nos últimos anos. Não se trata aqui de
dizer que a escola tem que continuar reprovando e que o poder de reprovação tem
que ser devolvido aos professores para que eles voltem a ser respeitados pelos alunos.
Não acho que o respeito do aluno pelo professor deve ser condicionado a um
instrumento de poder, mas também não acho que o professor pode continuar sendo
refém dos alunos e vítima de um sistema que não garante condições mínimas de
trabalho como está acontecendo.
Claro que não era positivo que o respeito ao professor
estivesse vinculado a um mecanismo de poder chamado reprovação, mas tirar isso
assim, abruptamente sem colocar nada no seu lugar nem sequer trabalhar alguma
coisa nesse sentido configurou uma perversidade enorme contra esses
profissionais, ao mesmo tempo que foi também uma perversidade contra o aluno,
pois os resultados estão aí: indisciplina, violência, baixo aproveitamento,
vergonha mundial em termos de aproveitamento escolar.
A escola virou um caos porque os mecanismos que garantiam
seu funcionamento foram simplesmente tirados à força e o pior, desprovida de
tais mecanismos fundamentais, a escola viu sua população escolar dobrar,
quadriplicar, quintuplicar. Sem permissão para continuar reprovando e/ou
expulsando os alunos, a escola passou a ter que conviver com toda essa
diversidade de alunos, tanto os que ingressaram a partir dessas políticas dos
anos 90 (sobretudo alunos mais pobres que antes não conseguiam entrar e/ou se
manter nas escolas) como também com aqueles que ela simplesmente antes
reprovava ou expulsava.
E tem que lidar com esses alunos estando com seu poder em
frangalhos. Embora haja um discurso de certo modo acertado de que o respeito do
aluno pelo professor precisa ser construído a partir de uma relação que envolve
conquista de confiança, admiração e carisma, o que esse discurso não diz é que
isso precisa ser estruturado enquanto um projeto de nação, projeto esse que
valorize, de fato, seus professores. Não precisamos ir longe nessa questão,
basta lembrar que o salário dos professores no Brasil é simplesmente lamentável
(é o mais baixo, por exemplo, entre profissionais de ensino superior) e que,
por outro lado, sempre que há qualquer problema educacional a ser discutido na
mídia o professor passa a ser escrachado como “mal formado” ou “pouco
esforçado”. Sem contar as atitudes governamentais de interromperem
manifestações dos professores com uso da violência por parte das polícias, como
vimos acompanhando.
O Bairro - A desvalorização do professor afetou este
processo?
Jefferson - Sem sombra de dúvidas afetou, qualquer sistema
precisa de todos os seus componentes e recursos funcionando bem para garantir a
obtenção dos seus objetivos. O sistema educacional não é diferente. Claro que,
quando falamos de um sistema temos que precisar no todo, sistema não é apenas a
soma de partes, mas o pleno funcionamento (e em harmonia) de um todo. Mas não
há também como ignorar que o professor forma, junto com o aluno, o núcleo desse
sistema. Não há como esse sistema funcionar adequadamente e atingir seus
objetivos se um dos seus elementos mais fundamentais que é o professor não
consegue trabalhar, como esta acontecendo. No caso do professor, como ele
precisa da livre adesão do aluno para ensinar, não se trata apenas de falarmos
em desvalorização.
No caso do professor a desvalorização se reflete em falta de
condição de trabalho, pois estando desvalorizado o aluno não o respeita e não
aceita aprender com ele, passa a hostiliza-lo e praticar a anti-aula sem que o
professor tenha mecanismos efetivos para se contrapor a isso. Assim sendo, não
há ensino, logo, não há como o professor trabalhar nem como o sistema não
atinge seus objetivos. Pena que a cegueira política que ronda a questão parece
não conseguir enxergar isso, mas continua covardemente a atribuir a culpa ao
professor, que é justamente a vítima de uma condição perversa.
O Bairro - Tudo evoluiu nos últimos, a tecnologia é um
exemplo, porém a escola continua há décadas. A falta de investimento nas
escolas e nos espaços educacionais interfere na educação?
Jefferson - Sem dúvida. Conforme dissemos anteriormente, o
professor precisa da livre adesão do aluno para conseguir trabalhar. Essa é uma
máxima muito importante que aprendi com um dos grandes professores que tive, o
professor Jair Militão. A escola que temos sempre teve uma grande dificuldade
para lidar com alunos provenientes de classes sociais inferiorizadas
simplesmente porque ela, a escola, fala uma língua que é muito distante da
língua desse aluno, como o aluno das periferias dos grandes centros urbanos,
por exemplo. Em países como o nosso cujo abismo entre as classes é tão
acentuado, essa questão é ainda mais importante. Além de haver essa distância
entre a linguagem da escola e a linguagem do aluno pobre de periferia, agora há
um outro tipo de abismo que é o tecnológico. Diante disso nossa escola ficou
não apenas distante da língua de grande parte do público que a frequenta, mas
distante também da nova linguagem mundial que é pautada pela velocidade, pelo
dinamismo e por que não dizer pelo protagonismo. Nas redes sociais, cada um é
protagonista da sua história (ainda que idealizada) e da visão de mundo que
compartilha. Mas isso não traz só pontos positivos, pelo contrário, traz muitos
riscos.
A recente atenção dada avalanche das Fake News é um exemplo.
A ilusão da superficiliadade bate cada vez mais a porta e isso mostra que
talvez mais do que nunca a escola se torna fundamental enquanto espaço de
reflexão, formação do senso crítico e aprofundamento. Mas, não há como competir
com uma Ferrari se você está em uma carroça. É preciso sim investimentos
pesados na educação para que ela se equipe e possa ser levado a serio pelos
alunos e pela sociedade. Só é possível analisar criticamente uma realidade se
você possui credibilidade para isso e enquanto a tecnologia não chegar
pesadamente às escolas elas não vão ser levadas à serio. Mais do que
credibilidade, se trata de representatividade. Os alunos que estão hoje tão
seduzidos por essa tecnologia jamais se sentirão representados por escolas e
professores que estão com bolas de ferro em seus pés enquanto eles, os alunos,
estão querendo voar.
O Bairro - O que é necessário para melhorar a educação nas
escolas públicas?
Jefferson - Esta é a pergunta de um milhão de dólares. Somos
muito bons em apontar os erros e falhas, mas muito rasos em apontar soluções.
Por isso, embora a questão seja muito complexa, acredito profundamente que o
início da solução resida em algo muito simples, porém difícil de se conseguir.
A solução está em um detalhe que vai na contramão da nossa história. Trata-se
primordialmente de vontade política para que isso aconteça. Para melhorar a
educação pública brasileira, é preciso que haja pesados investimentos para que
ela passe a ter a cara do nosso século (pois ainda tem a cara do século XIX) e,
sobretudo, de valorização dos seus professores. Essa fórmula foi adotada por
países como Cingapura e já vem sendo adotada há muito tempo por países nórdicos
que nos fascinam com seus resultados, como Noruega e Finlândia. É preciso parar
com a hipocrisia dos discursos que confundem dinheiro enviado às escolas com
investimentos reais, como também é preciso parar com a covardia de dizer que
nossos baixos resultados são culpa dos professores que seriam mal formados.
O professor é mal pago e mal assessorado, tem baixo respaldo
e poucos recursos para trabalhar, além de sofrer por estar em uma sociedade
que, embora diga que seu trabalho é importante, está constantemente de olho
nele com desconfiança e não o valoriza na prática. Essa atitude é estimulada
por nossos próprios governantes que sempre dizem que vão dar “cursos para os
professores” (como se eles não tivessem sempre estudando) toda vez que são
interpelados sobre o que vão fazer para melhorar a educação.
Como podemos ver, nem aqueles que contratam os professores
os respeitam. Diante disso, como os alunos poderão respeitar? Como é que um
professor com salário e condições de trabalho precários conseguirá ser
valorizado e respeitado pelos seus alunos? A fórmula é relativamente simples:
investimentos pesados e valorização real do professor, mas isso esbarra em um
uma miopia que muitos atribuem ao pensamento atrasado de uma elite política e
econômica que acha que o povo tem que ser mantido sem condições adequadas de
ensino para serem mais facilmente manipulados. Mal percebem eles que o atraso
real está neles.